Sobre selos e sobre ser jurada de concursos de fotografia - Giovanna Guiotti

Artigos | 30/08/2021

Olá! Gostaria de dividir com vocês o que aprendi e entendi sendo jurada de concursos de fotografia.

Vou começar falando um pouco da ATENÇÃO e como ela é parte indissociável da PERCEPÇÃO. 

Como nosso cérebro é bombardeado por estímulos visuais a todo instante, seria disfuncional e contraproducente se nos atentássemos a todos eles. Assim, o que efetivamente observamos, ou seja, o ver conscientemente direcionado, é o resultado de um processo de “filtragem”, uma triagem que envolve grande parte do nosso cérebro e que nos possibilita reagir rapidamente ao ambiente. 

Esses filtros são moldados pela nossa cultura, pela nossa história de vida e pelo contexto histórico. Eles são os vieses que decodificam e interpretam o que observamos. Desta forma, as coisas não existem no mundo por si só; elas não nascem com etiqueta de identificação, e isso permite múltiplas e até contrárias interpretações. Conclui-se, assim, que a percepção é inegavelmente subjetiva. 

Se o que é bom para mim, pra você pode não ser, é possível qualificar universalmente uma obra de arte? E analisá-la objetivamente? Bom, apesar de não podermos nos livrar de nossos vieses, reconhecê-los impulsiona a percepção em direção da objetividade. Quanto mais aperfeiçoado for o conhecimento que temos de nós mesmos, mais capazes seremos de reconhecer nossas subjetividades, de impedi-las de dominar nossa interpretação do mundo, mantendo-nos conscientes de que não há uma verdade absoluta: o caminho para a tolerância. 

Considerando a Fotografia -  nosso objeto -  e suas técnicas,  poderíamos pensar em um crivo de análise objetiva e pontual. Mas gabaritá-lo indicaria, apenas, uma fotografia tecnicamente satisfatória. E boas fotografias nem sempre são resultado de correção técnica. 

Mas o que é, afinal, uma boa fotografia?

Diante de tudo que expus acima, não existe apenas uma resposta a esta pergunta. Para mim, a boa fotografia é aquela que consegue comunicar algo, que desperta indagações, que desafia o senso comum. 

Na linguagem verbal, quando queremos nos fazer compreendidos, as palavras são conscientemente selecionadas e organizadas em frases no intuito de alcançarmos nosso objetivo. Se, ao contrário, soltamos palavras aleatórias, desconexas de nossa mensagem, não importa quão eruditas, bonitas e corretamente pronunciadas sejam, a pessoa que nos escuta nos deixará falando sozinho.

Na Fotografia, uma  linguagem visual, as palavras e as frases são a luz, a sombra, as cores, a composição, o que é incluído, o que é deixado de fora, o relacionamento entre os elementos do quadro, a escolha da lente, do ângulo de visão, da perspectiva. Se esses elementos forem usados arbitrariamente, a chance de a imagem passar batida ou de ser descartada pela pessoa que a observa é grande. 

Então, para cada foto enviada, eu buscava “ler” sua mensagem, analisando a escolha e a organização dos elementos acima citados, para obter respostas aos seguintes questionamentos: O que esta pessoa quer comunicar? Que história quer contar? Ou, que emoção quer passar, me convencer de sentir? O que ela quer que eu veja?  

As imagens bem sucedidas (na minha avaliação) e com pontuação mais alta foram aquelas que falaram comigo, que me contaram algo, que me mostraram algo novo e diferente e que me convenceram de alguma coisa, JUSTAMENTE pela escolha consciente de todos os elementos do quadro pela pessoa.

Em resumo: Luz, sombra, composição, cor, lente, ângulo de visão e perspectiva são  PALAVRAS VISUAIS. Seus arranjos, no quadro, podem formar FRASES, CONCEITOS, contar HISTÓRIAS ou declamar POEMAS. 

Outros pensamentos que me serviram de parâmetro na hierarquização das imagens. 

Há fotografias que são registro do que a pessoa viu, e há outras que são a interpretação daquilo que foi visto por ela. Neste último caso, sua presença é nitidamente percebida e a imagem resultante é autêntica e mais forte. Então, as fotos interpretativas tiveram nota maior do que as representativas. 

Muito se fala em INEDITISMO. Quantas vezes já ouvimos que fotos inéditas garantem selo? Para mim, embora seja inegável o poder visual do inédito, laçar o olhar não transforma a imagem, necessariamente, em uma fotografia “intansitiva”. Muitas vezes, ela continua sendo “transitiva”, ou seja, exige um complemento para dar o acabamento: Esse momento “inédito” faz bom uso da linguagem fotográfica? Eu consigo ver a pessoa que o fotografou? 

O outro lado da moeda é dizer que fotos “comuns”, “batidas”, não merecem ser premiadas. Momentos ou objetos fotografados à exaustão podem, sim, ganhar selos! O desafio é apresentá-los de forma original! 

"Não há nada mais difícil para um verdadeiro e criativo pintor, do que  pintar uma rosa, porque antes de fazê-lo, ele terá que primeiro esquecer todas as outras que já foram pintadas"

Henri Matisse (1869-1954)

 

Toda comparação é referencial

No dia a dia, a maneira mais saudável e mais produtiva de julgar suas próprias atitudes e habilidades é usar a si mesmo como referência. Compare-se com você mesmo, e não com os outros!. Compare seu hoje ao que você foi ontem. 

Nos concursos, entretanto, a regra muda: O júri nada sabe de sua história e todas as várias fotografias anônimas enviadas serão usadas como referência quando chegar a vez de analisar, julgar e pontuar as suas fotos. 

 

Quando sua foto não é premiada

Sim, é muito gostoso receber elogios, reconhecimento e prêmios. Mas quando entendemos que aquelas palavras de elogio não são etiquetas que nos definem, mas a interpretação que o outro faz de nós, menor a probabilidade de sentirmos raiva e tristeza quando o prêmio não vem ou quando somos criticados.

Se o outro ultrapassa você mesmo em importância, é aos seus gostos e desejos que você servirá. E quanto mais você corre e se esforça para satisfazer a esses outros, mais rápido sua essência, aquilo que faz de você, você, evapora.

Consequentemente, para alcançar uma fotografia autêntica, com identidade, é necessário desligar-se dos outros. Investir em autoconhecimento - não com um coach, mas com um psicoterapeuta treinado é de grande valia também!

Veja, a minha nota, não importa se 10 ou 1.5, não tatuou esses números na sua fotografia. O meu 10 pode ser 1.5 para outra pessoa julgando. Assim como meu 1.5, 10 para outra. E isso não será “culpa” da sua fotografia ou expressão verdadeira de alguma qualidade sua ou de algum defeito seu. Será, apenas, a interpretação de alguém. 

Domínio técnico da Fotografia é porta de entrada para concurso. Por favor, não se apegue às notas. Se você acredita na sua imagem, insista nela! Envie em outras rodadas, para outros concursos. O júri se renova e as fotografias concorrentes variam: Diferentes interpretações e referências. 

Participar de concurso é abraçar a vulnerabilidade. É aceitar que não somos perfeitos e que estamos em constante evolução. Revelar-se imperfeito exige coragem. Independente do resultado do trabalho enviado, sempre haverá um ganho pessoal. 

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